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Redução de custos na implantação de laboratórios de Inclusão Digital com o uso de Software e Hardware Livres: um estudo
TemaTec 236
Robson Martins é analista no Serpro desde 2010, lotado na Superintendência de Desenvolvimento (Supde), em São Paulo. Foi premiado diversas vezes no ConSerpro e, na edição de 2015, recebeu o "Troféu Moreto", como reconhecimento pela melhor apresentação durante o evento.
Introdução
Este artigo apresenta o estudo de caso da montagem de um pequeno laboratório, voltado à inclusão digital e ao ensino gratuito de tecnologias de informação e comunicação. Duas premissas desafiaram a criação desse laboratório: o baixo custo de aquisição, instalação e manutenção de hardware e de software, já que não há disponibilidade de substanciais recursos financeiros para investimento; e, em segundo lugar, a necessidade de performance computacional compatível com softwares modernos e atualizados.
Iniciativas existentes
Muitos dos laboratórios ou telecentros voltados à inclusão digital têm uma característica em comum: a utilização de equipamentos obtidos através de doações, ou reciclados, normalmente provenientes de empresas que os descartam devido à troca de parque de estações de trabalho.
Se por um lado, esse tipo de iniciativa traz benefícios, como evitar o descarte inadequado de eletroeletrônicos, por outro lado, causa a obsolescência tecnológica dos equipamentos em uso nos laboratórios, pois o aumento do poder de processamento e a evolução do hardware e do software seguem numa velocidade espantosa.
Desta forma, é muito comum a existência de laboratórios com equipamentos produzidos há cerca de dez anos.
Software Livre
É inegável que o software livre traz muitos benefícios em abordagens como a proposta (implantação de um laboratório para inclusão digital). Em primeiro lugar, a inexistência de custo de aquisição ou licenciamento de um software livre o torna competitivo na implantação de projetos onde há sérias restrições orçamentárias. Segundo, o código-fonte aberto e o alto poder de personalização e configuração de um software livre permite adaptá-lo às necessidades específicas de cada projeto.
Hardware Livre
Um conceito mais recente do que o software livre, com surgimento em meados dos anos 2000, é o chamado hardware livre, ou open-source hardware.
A ideia do hardware livre nasceu a partir da mobilização de engenheiros eletrônicos e aficionados pelo movimento DIY (Do-It-Yourself – Faça Você Mesmo), que desejavam compartilhar com outras pessoas os diagramas esquemáticos, layouts de placas de circuito, definições de firmware e outros módulos presentes em suas criações de hardware. Esse compartilhamento de informações permite a outros conhecedores de eletrônica a reprodução livre de seus inventos, e a disseminação do uso de seus dispositivos – além de permitir a colaboração mútua em projetos comunitários de hardware.
Entretanto, há uma diferença fundamental entre hardware e software livres. Enquanto existe a possibilidade de um software livre também ser gratuito (completamente sem custos para sua aquisição), um hardware livre não será de fato gratuito, por ser um produto tangível. Suas especificações até podem ser completamente livres e gratuitas, mas sempre haverá um custo para a sua fabricação.
Dentro desse contexto, e preocupadas com essa questão, algumas empresas e organizações passaram a oferecer produtos de hardware livre, porém já montados, encomendados por elas em grande escala para fabricantes de placas de circuito eletrônicos, o que permite o barateamento no custo de produção, e mantendo a qualidade do produto final.
Placas Educacionais e Single Board Computer
Dentro da filosofia de hardware livre apresentada, algumas empresas e organizações criaram projetos de placas e módulos eletrônicos para finalidades educacionais, didáticas, ou mesmo comerciais. Uma das características mais comuns dessas placas eletrônicas é a presença de um microcontrolador ou microprocessador capaz de rodar um software embarcado.
Atualmente, um conceito eletrônico mais amplo tem sido utilizado, chamado de SoC (System On Chip – Sistema num chip), onde um único componente semicondutor possui tudo que é necessário para se rodar um sistema computacional completo (desde o microprocessador até placa gráfica com aceleração de hardware integrada, incluindo periféricos de conectividade, rede, multimídia etc.). O conceito de SoC também dá origem a projetos de placas eletrônicas pequenas, de baixo consumo, mas muito poderosas, chamadas de Single Board Computer (computador numa única placa).
Placa Raspberry Pi
O projeto Raspberry Pi nasceu em 2006, na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, quando acadêmicos perceberam dificuldades crescentes de aprendizado pelos alunos de Ciência da Computação, ano após ano. Decidiram então criar uma fundação, e assim, arrecadar recursos para o desenvolvimento de uma placa computacional, com o objetivo de ensinar técnicas de programação às crianças, e treinar seu raciocínio lógico, para que estivessem prontas futuramente para cursar a universidade.
O projeto de hardware livre tomou proporções maiores do que as inicialmente pretendidas e, em 2013, a fundação já havia vendido mais de dois milhões de unidades em todo o mundo. Esse sucesso se deu em grande parte pelo baixo custo da placa, pela sua capacidade de expansão e modularidade, e ainda pelo seu poder computacional capaz de rodar sistemas operacionais modernos, como GNU/Linux. Todas essas características ainda foram potencializadas ao longo dos anos pela expansão das comunidades de hardware e software livres que surgiram em torno do Raspberry Pi.
Estudo de Caso
A ideia central deste artigo é demonstrar como computadores desktop montados a partir da placa Raspberry Pi, utilizando softwares livres, podem ajudar na criação de um laboratório de inclusão digital moderno, pronto para rodar softwares atuais e ao mesmo tempo, de baixo custo de implantação e manutenção.
Comparativo: Raspberry Pi Versus Desktop PC Tradicional
Uma das dificuldades de comparação técnica e metodológica em termos de benchmarking (performance) entre um computador arquitetura x86 PC e uma placa baseada na arquitetura ARM, como é o Raspberry Pi, é exatamente a diferença entre as arquiteturas de CPU. Por esse motivo, alguns testes práticos foram realizados em laboratório, para experimentar a sensação real de um usuário em três sistemas distintos (um PC de alto desempenho, um PC de baixo custo e o desktop montado com Raspberry Pi):
Sistema |
Experiência do Usuário |
Custo Aproximado |
Consumo Energético Aproximado |
---|---|---|---|
AMD FX 8320 (3,5GHz) |
Ótima |
R$ 3.000,00 |
125W (só CPU) |
Intel Atom |
Péssima |
R$ 600,00 |
8,5W (só CPU) |
Raspberry Pi 2 |
Boa |
R$ 180,00 |
4W (toda a placa) |
Montagem de um Desktop Raspberry Pi
A montagem de um computador desktop a partir do Raspberry Pi se torna uma tarefa simples, pois requer somente os seguintes componentes:
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Placa Raspberry Pi;
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Cartão MicroSD;
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Monitor LCD (HDMI);
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Teclado e mouse USB;
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Caixas de som;
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Fonte de alimentação de 5V x 2,5A;
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Um hub USB para permitir ao usuário conectar pendrives;
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Uma caixa para fixar a placa na traseira do monitor.
Como sistema operacional, optou-se pelo Raspbian, que já traz por padrão as ferramentas para desenvolvimento em Python e compiladores GCC para desenvolvimento em C e C++. Alguns outros softwares livres foram também instalados.
Conclusões
Diante do exposto, e considerando as experiências descritas por outros usuários da comunidade Raspberry Pi, é plenamente viável utilizar o poder computacional desse tipo de single computer board, aliado aos benefícios do hardware e software livres, para a criação de computadores desktop modernos, de baixo custo e baixo consumo energético.
Claro que a performance desse tipo de solução não está equiparada a computadores topo de linha. Entretanto, ao se realizar uma comparação entre um single board computer como o Raspberry Pi 2 e um computador PC x86 popular fabricado há mais de cinco anos, pode-se perceber competitividade na performance, ganhos consideráveis no custo (especialmente de manutenção), e na diferença de consumo energético.
Sendo assim, essa é uma solução viável, de baixo custo, e moderna para a implantação de pequenos laboratórios de inclusão digital que têm investimento limitado, mas que lutam para compartilhar o conhecimento da informação com a sociedade e a comunidade onde estão inseridos.
Robson de Sousa Martins
MBA em Desenvolvimento de Soluções Corporativas em Java/SOA (2012), pela Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP) e bacharel em Sistemas de Informação (2003), pela Faculdade Batista de Administração e Informática (FBAI). Desde 2010 é analista no Serpro, lotado na Superintendência de Desenvolvimento (Supde), em São Paulo. Foi premiado diversas vezes no ConSerpro e, na edição de 2015, recebeu o "Troféu Moreto", como reconhecimento pela melhor apresentação durante o evento.