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Lean Enterprise: potencializando a eficácia na entrega de valor dos produtos do Serpro

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Leonardo Ribeiro Soares e Leandro Coelho Correia
Exibir carrossel de imagens Arquivo Serpro Figura 1: Mínimo Produto Viável (O’REILLY. et al, 2015)

Figura 1: Mínimo Produto Viável (O’REILLY. et al, 2015)

O processo de desenvolvimento de software é uma ciência relativamente nova e vem, ao longo do tempo, se desenvolvendo sobre bases de outras áreas mais maduras, como a engenharia e a administração. O modelo que se revela mais evidente no processo histórico de desenvolvimento de software é o processo de manufatura, mais especificamente a linha de montagem da Ford e o trabalho de Frederich Taylor.

Este artigo mostra como o processo de desenvolvimento de produtos de software pode evoluir no Serpro, de forma puxada pelo usuário final, trazendo mais valor agregado para os produtos desenvolvidos.

 O Lean e o Processo de Manufatura Moderno

“Durante anos nossa indústria foi sobrecarregada com a afirmação de que nós devíamos conseguir seguir o modelo da manufatura. Manufatura esta que eles se referem seria o modelo de Frederick Taylor, linha de montagem de Henry Ford. Os processos de desenvolvimento de sistemas que nós construímos sobre os princípios de Taylor nunca funcionaram.” (Ken Shwabber, 2003)

O modelo de produção Taylorista, adotado pelas indústrias do final do século XIX, tendo como grande expoente Henry Ford, foi baseado na produção de escala. Este modelo se baseia no fato de que quando um determinado processo passa a ter uma escala de produtos idênticos, os ganhos com eficiência de cada atividade isoladamente passam a superar as perdas causadas pela complexidade do processo. Essas linhas de produção são compostas por grandes maquinários, mão de obra especializada ao extremo em trabalhos repetitivos, com baixo nível de autonomia e altos níveis de controle. Por outro lado, produtos com níveis de qualidade discutíveis, com grande número de problemas introduzidos durante o processo que só eram descobertos em revisões finais do produto ou pelo cliente.

Esse modelo se mostra altamente ineficiente quando nos deparamos com produtos mais complexos e com alto nível de customização, já que a absorção de mudanças no processo produtivo é algo que beira o inviável. Muitas das linhas de montagem produzem apenas um tipo de produto. Evoluções demandam produção de novos equipamentos e treinamento de toda a mão de obra.

Outra grande dificuldade das linhas de montagem é a retenção de profissionais. Apenas uma parcela muito pequena da grande massa produtiva se adapta ao trabalho repetitivo e ao alto nível de subordinação a que são submetidos.

A indústria japonesa da primeira metade do século XX desponta como uma alternativa competitiva nesse contexto. Um modelo de produção mais enxuto, com times autônomos, maquinários muito mais leves e adaptáveis mantido e configurado pelo próprio time, com altos níveis de qualidade durante todo o fluxo produtivo.

Rapidamente esse modelo começa a ameaçar o mercado dominado pelas grandes indústrias europeias e americanas. Em meados da década de 80, ameaça o mercado doméstico americano e europeu, a ponto da indústria automobilista financiar um dos maiores projetos de pesquisas já conhecido, o IMVP (WOMAK. et al, 1990), que mapearia o processo desenvolvido por Eiji Toyoda, e Taiichi Ohno difundido por toda indústria japonesa. Surgiria então o termo Toyota Production System, posteriormente denominado de Lean Production.

Lean Startup, Lean Software Development e Lean Enterprise

Na década de 90, os métodos ágeis tomavam força, inspirados pelos trabalhos da indústria japonesa. O Ágil, representado pelo seu manifesto assinado em 2001, segue na mesma direção dos princípios Lean, com métodos menos burocráticos e focados em uma relação de parceria produtiva entre times e clientes.

Um estudo (STANDISH GROUP, 2013) realizado desde 2004, evidencia um alto grau (acima de 50%) de insucesso em projetos de software. Uma análise mais detalhada mostra uma importante distinção entre projetos grandes e pequenos nesse contexto: 

Problemas

Grandes Projetos

Pequenos Projetos

Projetos abortados sem atingir o resultado final

52%

4%

Custo e prazo muito além do previsto

86%

24%








Uma análise desses dados mostra que projetos mais enxutos tendem a ter uma chance de sucesso muito maior. Isso parece óbvio, uma vez que projetos menores apresentam menos complexidade e risco. Métodos ágeis se destacam nesse contexto por permitirem maior antecipação do valor do produto, com entregas pequenas e regulares, fragmentando grandes projetos em partes menores.

Uma em cada dez startups nos Estados Unidos falham. A necessidade de minimizar riscos e antecipar a validação de hipóteses, como uma estratégia para reduzir o índice de morte das startups americanas motivou o trabalho de Erick Ries, “The Lean Startup” (2011). Trata-se de uma série de fundamentos baseados no método Lean, aplicados às startups, que direcionam para o uso de um modelo científico de validação de hipóteses, coleta de feedback e aprendizado. Ries mostra que as startups que têm a melhor chance de sucesso são aquelas que conseguem aprender mais rapidamente e com o menor custo. Ele defende que hipóteses sejam testadas o mais cedo possível, com o que ele chama de MVP (Minimum Viable Product), ou Mínimo Produto Viável, conforme ilustra a Figura 1 (abaixo):

Figura 1: Mínimo Produto Viável (O’REILLY. et al, 2015)

 Figura 1: Mínimo Produto Viável (O’REILLY. et al, 2015)

O método consolidado por Ries notoriamente tem ajudado muitas startups, aumentando consideravelmente as suas chances de sucesso. Da mesma forma, as grandes corporações podem tirar proveito dos mesmos conceitos, tanto no mundo empresarial quanto em governos. Barry O'Reilly, mostra em Lean Enrtprise (O’REILLY. et al, 2015) como estas técnicas estão sendo adaptadas, trazendo resultados inspiradores em grandes organizações. Um exemplo recente é o Projeto de Transformação Digital do Reino Unido, que demonstra como os conceitos de aprendizado contínuo podem ser aplicados para mudanças culturais e obtenção de diferencial competitivo no governo. Em cerca de dois anos, o projeto foi responsável pela reestruturação completa de 25 dos principais serviços oferecidos pelo governo.

São princípios fundamentais destes métodos:

    • Times auto-organizados e empoderados;
    • Visão do todo e otimização contínua;
    • Eliminação de desperdícios;
    • Aprendizado contínuo;
    • Fazer o necessário no momento correto;
    • Construir a integridade;
    • Entrega rápida e contínua.

A estruturação de um fluxo de aprendizado contínuo é fundamental. Os princípios do Lean Enterprise sugerem o uso de uma metodologia científica baseada em um processo de entrega contínua, em ciclos muito curtos, coleta de feedback e retroalimentação do processo criativo. Este ciclo, chamado de Build-Mesure-Learn Loop, é fundamental para a eficácia do processo. Quanto mais curto ele for, menor será o desperdício com hipóteses que não entregam valor, e maior o ganho com as hipóteses que geram valor - conforme figura 2 (abaixo).

Figura 2: Build-Mesure-Learn Loop

Figura 2: Build-Mesure-Learn Loop

Lean Enterprise e o Serpro

O projeto de transformação digital do governo inglês é inspirador quando o colocamos frente a realidade do Serpro e do governo brasileiro. Inúmeras são as oportunidades para antecipar a entrega de valor nos projetos para o governo, aprimorando os ciclos de aprendizado e ajustando o foco na entrega de valor. Além de uma economia potencial na ordem de milhões de reais, é possível desenvolver um aumento da capacidade de entrega, sem nenhum investimento adicional.

Ampliando a visão do Serpro como ator fundamental nas políticas públicas do governo, temos um campo enorme para a entrega de melhores serviços públicos, com maior qualidade, de forma mais rápida e mais alinhados com as reais necessidades da população.

Conclusão

O Serpro tem uma oportunidade histórica de se tornar protagonista do processo de mudança na forma como o serviço público entrega valor para os cidadãos. A exemplo do que já ocorreu em outros países, é possível se obter economia na ordem de milhões e respostas mais eficazes, simples e muito mais rápidas para a população.

A partir do momento em que os times tiverem maior autonomia para decidir sobre a entrega de valor, alinhados com princípios corporativos bem estabelecidos, mudanças culturais importantes poderão ser observadas e uma nova relação poderá ser construída entre os times, clientes e principalmente os usuários finais de cada produto.

Práticas que facilitam o processo são importantes, mas a empresa já demonstra que possui o conhecimento necessário, mesmo que de forma não consolidada. Um trabalho em projetos pilotos nesse cenário poderá evidenciar as condições adequadas de empoderamento, para uma implantação segura deste novo modelo.

Referências

  • O’REILLY, Barry, et al. Lean Enterprise: How High Performance Organizations Innovate as Scale.California: O’Reilly Media.2015. 
  • POPPENDIECK, Mary; POPPENDIECK,Tom. Lean Software Development. Addison Wesley, 2003. 240p.
  • RIES, Erick. The Lean Startup: How Today’s Entrepreneurs Use Continuous Innovation to Create Radically Successful Businesses. New York: Crown Business. 2011. 
  • STANDISH GROUP. Chaos Manifesto: 2013. The Standish Group International, Incorporated. 2013 
  • WOMACK, James P., et al. The Machine That Changed The World: The Story of Lean Production. New York: Free Press. 1990. 354p. 
     

Leonardo Ribeiro SoaresLeonardo Ribeiro Soares
É agilista, programador poliglota, atua facilitando a transição de times ágeis desde 2010. Participou de inúmeros projetos de software desde de startups a algumas das maiores empresas no Brasil e no exterior. Trabalha no Serpro desde 2012, envolvido diretamente no processo de implantação de agilidade. É autor do blog leanBr  e participa ativamente na organização dos eventos Maré Ágil e LinguÁgil. 
 

Leandro Coelho CorreiaLeandro Coelho Correia

É analista de desenvolvimento do Serpro desde 2014, atua como coach ágil em diversos projetos de desenvolvimento de software. Coordena o Grupo de Trabalho de Ludificação do Serpro e é entusiasta da utilização de jogos em contextos sérios.