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Governança de Processos Ágeis - Foco na Melhoria Contínua

TemaTec 227

Roberto Slomka
É formado em Administração de Empresas com Ênfase em Análise de Sistemas, pelas faculdades Associadas de São Paulo. Trabalha no Serpro desde 2006, atuando na Gestão do Desenvolvimento, com foco na Qualidade de Software. É também professor da Especialização em Qualidade de Software da Unisinos (RS).

É formado em Administração de Empresas com Ênfase em Análise de Sistemas, pelas faculdades Associadas de São Paulo. Trabalha no Serpro desde 2006, atuando na Gestão do Desenvolvimento, com foco na Qualidade de Software. É também professor da Especialização em Qualidade de Software da Unisinos (RS).

INTRODUÇÃO

Neste momento em que o Serpro investe na adoção de métodos ágeis em seu processo de desenvolvimento de software, surge um grande desafio: como manter cerca de 300 equipes auto-organizadas, alinhadas aos objetivos estratégicos organizacionais, e ao mesmo tempo evitar os riscos que a adoção destes métodos possam trazer à organização?

O paradigma Ágil tem sido apontado como fator de sucesso no desenvolvimento de sistemas complexos, por trazer respostas mais rápidas sobre o desempenho da equipe, através do feedback sobre entregas constantes e em ciclos curtos, normalmente de duas a quatro semanas. Porém, sua adoção tem pressupostos e traz riscos, como qualquer outra metodologia que se pretenda utilizar. A partir do uso das práticas ágeis, e observando os seus valores mais intrínsecos, foi possível desenhar um modelo tanto para atingir o monitoramento destes riscos, como para obter uma poderosa ferramenta de melhoria contínua dos processos da equipe. É essa segunda finalidade que pretendo explorar neste artigo.

GOVERNANÇA

Quando o titular de uma propriedade delega poderes decisórios sobre esta a terceiros, gera-se e desalinhamentos inevitáveis, decorrentes da inexistência de agentes perfeitos e da impossibilidade de previsão contratual de todas as condições que inibam esse desalinhamento. Para gerenciar esse conflito é estabelecido um relacionamento entre o agente e o proprietário, chamado “Governança”. Esse relacionamento abrange: a forma como os objetivos organizacionais são definidos e perseguidos, como os riscos são elencados e monitorados e como a performance organizacional é continuamente melhorada.

As ações de governança se dão por meio de mecanismos eficientes de monitoramento, controle e incentivos, que garantam o alinhamento da atuação dos agentes aos interesses dos proprietários. No âmbito da Gestão de Processos, a Governança de Processos é definida como um framework que organiza e define os elementos: papéis e responsabilidades, padrões, tarefas, estrutura organizacional, objetivos,mecanismos de controle e mecanismos de avaliação, de forma a viabilizar a Gestão de Processos como elemento de gestão cotidiano nas organizações, com o objetivo de melhorar a performance de seus processos.

CONTROLE ESTATÍSTICO DE PROCESSOS

Um mecanismo altamente eficiente para monitorar a performance de processos e levá-la à melhoria contínua é o Controle Estatístico de Processos (CEP). A principal característica do CEP é a avaliação dos processos sob a ótica da sua execução em ordem cronológica, a fim de perceber a evolução de seus resultados ao longo do tempo. Para isso, utilizam- se Gráficos de Controle (figura 1).

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Como isso funciona? De forma bem sucinta, o CEP compara os resultados obtidos em cada ciclo medido com os limites de desempenho esperados para o processo em análise, ou “Baseline de Desempenho”. Esses limites devem ser baseados obrigatoriamente em seu desempenho real e não nas metas desejadas, uma vez que a identificação de desvios além ou aquém destes limites, ou ainda tendências marcantes na curva do resultado obtido, é que darão visão à incidência de Causas Especiais (extrínsecas ao processo) que afetam a execução.

Quando as Causas Especiais são eliminadas, tem-se um processo “estável”, a partir de onde se inicia então o tratamento das Causas Comuns (intrínsecas ao processo), que uma vez tratadas vão favorecer a melhoria contínua das baselines de desempenho, melhorando sua capacidade. Quando a baseline de desempenho de um Processo Estável corresponde aos requisitos de desempenho e qualidade definidos para o negócio, tem-se um processo “Capaz”.

Por exemplo, a execução diária e repetitiva do subprocesso “Ir de Casa ao Trabalho” leva a um nível de conhecimento baseado nos desempenhos passados em diversas situações, o que favorece a identificação e compreensão tanto das causas especiais como das causas comuns, facilitando a tomada de decisão com base em fatos e não em impressões ou “achismo”. A primeira consequência desta melhor compreensão dos processos se dá no planejamento dos projetos. Após tantas e tantas execuções dessa rotina, você é apto a decidir qual a melhor alternativa para um dia chuvoso, onde determinado ponto da cidade certamente estará alagado, ou para um dia em que se espera uma grande manifestação no seu caminho (causas especiais, não pertencem à execução normal do processo). A partir do conhecimento prévio consolidado, e da compreensão dos requisitos de desempenho e qualidade do processo esperados no projeto, é possível não só escolher a melhor opção– para o caso de processos alternativos – como prever seu desempenho com certo grau de exatidão.

Mas o grande ganho do CEP em termos de gestão de processos está na sua capacidade como ferramenta de melhoria contínua. Eliminadas ou minimizadas as causas especiais, a compreensão e evolução das causas comuns (trajeto, meio de transporte, horário) permite a otimização do processo em termos de desempenho e qualidade até o seu limite. Atingido o limite de desempenho do processo, somente a inovação pode elevar os resultados a outro patamar, podendo, na melhor das situações, até mesmo extinguir certos subprocessos por obsolescência, em situações de quebra de paradigmas (por exemplo, aderindo ao teletrabalho e então eliminando a necessidade de “Ir de Casa ao Trabalho”).

CEP VS. ÁGIL

Mas falar em “Controle” e “Processos” não seria algo inadequado aos valores do agilismo? Quando o manifesto ágil estabelece “mais foco na interação entre as pessoas e menos foco em processos” está se referindo ao desenho, manutenção e aderência a um processo formal.

O CEP trata de “processos” como “obtenção de resultados” e não a definição exata de como deve ser realizada uma determinada tarefa. Não só permite como favorece a adoção de experimentos, uma vez que seus resultados podem ser comparados com a baseline de desempenho para avaliação de sua efetividade. Isto posto, vamos comparar as características de um processo apto ao CEP com as características de um processo ágil (figura 2). Temos 100% de compatibilidade! Ainda, o Scrum define, entre seus valores, um conhecido por sua nomenclatura herdada do modelo Toyota de Produção: Kaizen, ou melhoria contínua, baseada na atuação da equipe em relação ao momento de retrospectiva do que ocorreu na iteração executada, através dos questionamentos: “o que deu certo?”, “o que poderia ter sido melhor?” e “o que podemos aperfeiçoar da próxima vez?”. O CEP pode auxiliar a encontrar todas essas respostas através da visão exata do que se obteve com a execução do processo, conforme definido pela equipe e dos experimentos executados.

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DEFINIÇÃO DE MÉTRICAS

O modelo de acompanhamento aqui proposto se baseia na definição de métricas essenciais, no ponto de vista da equipe, em relação aos riscos enfrentados e aos resultados esperados pela equipe e considerados como críticos ao sucesso do projeto. Uma vez definido um fator a ser avaliado, utilizando a técnica de análise GQM (Goal – Question – Metric) podemos derivar um objetivo de medição (Goal), sobre o qual podem ser levantadas perguntas essenciais (Question), para as quais são então derivadas métricas (Metric) que respondam a estes questionamentos de forma completa e objetiva, buscando desta forma endereçar o objetivo inicialmente proposto. 

Para uso como instrumento de melhoria contínua, é essencial que os atributos medidos sejam adequados ao CEP, de forma que seu desempenho a cada ciclo seja esperado de forma constante. Por exemplo, algo chamado “Fator de Análise”, definido como a proporção entre esforço em atividades Análise e Projeto e esforço total em atividades de Implementação, não necessariamente terá um desempenho constante esperado, pois em determinadas iterações pode-se estar implementando regras de negócio de uma funcionalidade já completamente modelada, ou com necessidade de pequenos ajustes de modelagem de dados, de forma que a relação entre implementação e análise e projeto não é esperada como algo constante, portanto essa métrica não é adequada ao CEP.  Já para atributos relacionados  à execução de testes, seja sob a ótica de cobertura ou de esforço, pode ser esperado um comportamento uniforme, estável, tornando-os assim adequado ao CEP.

CICLOS DE ACOMPANHAMENTO E REVISÃO

O acompanhamento estatístico dos resultados das métricas elegidas pela equipe é a base para a melhoria contínua do processo avaliado, favorecendo a compreensão e evolução das práticas no nível local. Isso ocorre como um clássico ciclo PDCA:

  • Plan (Planejar): o CEP é usado, no planejamento do projeto, para apoiar as decisões de modelagem dos processos no projeto de acordo com os requisitos de desempenho e qualidade desejados;
  • Do (Fazer): durante as iterações são coletadas as métricas, selecionadas pela equipe, sobre os resultados obtidos.
  • Check (Avaliar): o CEP é então usado para avaliar os impactos no processo, buscando identificar causas especiais, se houver, e a compreensão do desempenho do processo.
  • Act (Agir): finalmente, durante a retrospectiva da iteração, análises causais se somam à visão do uso do processo na iteração para derivar as lições aprendidas e as melhorias que devem ser implementadas no processo da equipe para a próxima iteração.

Periodicamente, o conjunto de práticas ágeis deve ser avaliado com base nos resultados e experiências das equipes, levando a nível organizacional o conhecimento evoluído no âmbito dos projetos. Estes períodos não devem ser nem tão curtos que não permitam experimentos consistentes, nem tão longos que se perca o timing da implantação dessas melhorias.

Ainda é muito importante, principalmente nos estágios iniciais do uso de métodos ágeis, de alguma forma, verificar se desvios em relação ao desempenho esperado foram decorrentes da falta de uma execução consistente do processo, ou se os resultados são decorrentes da necessidade de melhoria no processo como proposto, seja na sua estrutura, seja em seus elementos componentes. 

CONCLUSÃO

decisão de introduzir os métodos ágeis como principal paradigma para os processos corporativos é uma realidade que já está se implantando. Compreender seus riscos, os cenários onde os métodos ágeis funcionam e onde apresentam maiores desafios é a única forma segura de utilizá-los com responsabilidade. 

A criação constante de resultados concretos, como premissa do Scrum, favorece a adoção de mecanismos estatísticos de acompanhamento dos processos que auxiliam a percepção de seus pontos fortes e de oportunidades de melhoria e que, uma vez identificadas e tratadas, alavancam a produtividade e a qualidade do time. Utilizar este contexto para melhoria contínua da performance da equipe é fundamental para alcançar o sucesso, seja na forma em que o definirmos em nossos projetos. Este artigo não pretende ser a palavra final em relação à governança dos processos baseados em métodos ágeis no Serpro, pelo contrário, é um ponto de partida para evolução e melhoria constante da gestão desta que é uma tendência irreversível. No melhor espírito agilista, esta contribuição é uma primeira iteração no sentido de se construir e melhorar continuamente esta governança.