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Por onde andam seus dados?
Dados pessoais
Muitos países possuem legislação para proteção de dados pessoais. Seguindo esse caminho, o Brasil cria sua própria lei, com a participação da sociedade
Vivemos em uma era em que a capacidade computacional trouxe um volume de informações sem precedentes. É um oceano de dados que circulam em grande velocidade e se referem a absolutamente tudo, inclusive a você. Religião, gosto musical, perfil de consumo, endereço, orientação sexual... Quem possui quais informações e como elas são utilizadas? Saiba mais sobre o Projeto de Lei para a Proteção de Dados Pessoais, um esforço de normatização que visa proteger a intimidade do cidadão, dentro e fora da web.
A futura lei pretende empoderar o brasileiro quanto ao uso das informações relativas a si mesmo. Tanto a coleta quanto o tratamento desses dados dependerão de seu consentimento informado e expresso. Os órgãos e instituições da administração pública já são obrigados, devido à Lei de Acesso à Informação, a dar transparência a seus dados, principalmente os relacionados à gestão de verbas públicas. Mas agora, pela primeira vez, não só o governo, como também entidades privadas, serão obrigados a revelar as informações que possuem acerca do cidadão ou consumidor. Também são previstas sanções específicas, como bloqueio ou cancelamento, para a utilização irresponsável desses bancos de dados (ver box).
"O Brasil é um dos poucos países com grande dinamismo econômico que ainda não possui uma lei de proteção específica para dados pessoais". É o que afirma Danilo Doneda, professor da Fundação Getulio Vargas e consultor jurídico do Ministério da Justiça, órgão responsável pela elaboração do anteprojeto que será remetido à Câmara dos Deputados. Para ele, embora o direito à intimidade esteja previsto de forma expressa no texto constitucional, a falta de uma legislação específica torna difícil a sua implementação. “Precisamos de mecanismos efetivos para garantir a dignidade na sociedade da informação. As pessoas se encontram em situação de vulnerabilidade até por, muitas vezes, sequer conhecerem seus direitos”, avalia Doneda.
Hoje, diante da falta de regulação, uma empresa pode coletar dados e vender para qualquer um. E, muitas vezes, as informações sobre o consumidor valem muito mais do que o produto adquirido.
Um trabalho coletivo em andamento
O anteprojeto de Lei para a Proteção de Dados Pessoais está sendo elaborado seguindo o modelo de consulta pública consagrado pelo Marco Civil da Internet. Após a finalização, o texto será enviado à Câmara dos Deputados e segue o trâmite regular do processo legislativo até a sanção presidencial. Você também pode participar, com seus comentários e sugestões, até o dia 5 de julho.
A consulta traz as vantagens de introduzir a discussão, mobilizar a sociedade e incorporar, de saída, uma pluralidade de visões. “Isso traz sinergia e dá legitimidade ao anteprojeto, que já chega mais amadurecido ao legislativo”. Essa é a opinião de Marcos Mazoni, diretor-presidente do Serpro, empresa pública responsável pela guarda e tratamento de informações como as do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e do registro de veículos dos automóveis brasileiros.
"A pessoa deve se conscientizar sobre o grande poder que envolve a utilização de seus dados pessoais e participar, também, de sua proteção"
Marcos Mazoni
A iniciativa, que vai estabelecer parâmetros para a coleta e o tratamento das informações dos cidadãos, já possui dois princípios basilares: consentimento e transparência. Em regra, a partir da vigência da norma, qualquer informação só poderá ser incorporada a um banco de dados com a concordância expressa, livre e informada da pessoa. Isso é o consentimento. Importante lembrar que o banco de dados pode ser público ou privado, em formato eletrônico ou não. Já a transparência permite que cada pessoa possa chegar não só ao governo, mas, digamos, a uma loja de departamentos, e pergunte quais os dados a seu respeito existem ali. A loja em questão teria um prazo de sete dias para responder, sob pena de responsabilização.
Um simples aborrecimento?
Mas o usuário não pode interpretar essa concordância como um mero aborrecimento? Não há a possibilidade de uma aquiescência automática, mais ou menos como ocorre com aqueles "termos de uso" dos aplicativos, que sequer costumam ser lidos? "É uma questão de desenvolvimento de cidadania", responde Mazoni. “A pessoa é que deve se conscientizar sobre o grande poder que envolve a utilização de seus dados pessoais e participar, também, de sua proteção”. Outro detalhe importante é que a concordância pode ser feita por um período de tempo determinado, não tendo necessariamente que ser repetida a cada coleta do dado.
VOCABULÁRIO JURÍDICO:
Uma das vantagens do anteprojeto da Lei para a Proteção de Dados Pessoais é a definição de conceitos. Um vocabulário mais preciso é um dos resultados do debate e um instrumento necessário para a melhor eficácia na proteção dos dados. Confira:
Dado pessoal: dado relacionado à pessoa natural identificada ou identificável, inclusive a partir de números, dados locacionais ou identificadores eletrônico.
Dados anônimos: dados relativos a um titular que não possa ser identificado.
Dissociação: ato de transformar um dado pessoal em anônimo. É, por exemplo, o que faz o IBGE ao coletar a informação de que, em determinada casa, mora uma senhora que é negra e tem oitenta anos.
Dados sensíveis: dados pessoais que revelem informações íntimas como origem racial, étnica, convicções religiosas etc. Nos termos do projeto de lei, os dados sensíveis recebem maior proteção. Em regra, podem ser coletados, mas não tratados.
Consentimento: manifestação livre, expressa, específica e informada pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada;
Bloqueio: sanção por mau uso do dado, suspensão temporária de qualquer operação de tratamento;
Cancelamento: sanção por conduta mais grave, consiste na eliminação total dos dados armazenados.