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Impressão 3D livre
Cultura digital
Impressora 3D de Murilo Torres, criada a partir de informações disponíveis na web
Em 2010, a primeira impressora 3D caseira foi saudada pela Revista Wired como uma “Nova Revolução Industrial”. Desde então, uma espécie de coqueluche tomou conta da imprensa especializada em tecnologia. Foram inúmeras matérias sobre objetos que se auto replicam e impressoras protagonizando a criação de praticamente tudo: de casas a vasos sanguíneos; de pistolas caseiras a vacinas, pontes, componentes de carros antigos e até comida. Isso aliado ainda às diversas previsões de como as “fábricas caseiras” iriam mudar, para sempre, o cotidiano das pessoas.
Cinco anos após o início de tudo, as possibilidades de uso da tecnologia continuam a causar impacto. A verdadeira revolução, porém, parece ser mais profunda, já que opera não apenas na criação de objetos, mas na própria cultura de disseminação do conhecimento. É que o desenvolvimento da impressão 3D traz, consigo, a consagração de princípios do “open source”, ou “código aberto”: a filosofia do software livre de compartilhamento irrestrito do conhecimento.
Imprimindo a impressora
É graças ao open source que o brasiliense Murilo Torres, a partir de informações disponíveis na web, criou sua própria impressora 3D. Ele desenvolveu o aparelho em uma sala comercial na W3 Sul, avenida central da capital, onde há um pouco de tudo. No mesmo espaço, convivem diversos “impressos”: um motor de patinete, uma prótese de joelho e as engrenagens de um futuro modelo dinâmico do sistema solar. Ali, “parafuso a parafuso”, o designer montou uma impressora brasileira que pretende ser “a mais barata das profissionais”.
“Queremos vender em larga escala e obter lucros, o que demonstra que a filosofia open source não exige um voto de pobreza”, explica. O preço final do equipamento deve ser 50% inferior ao dos similares importados. Cerca de 30% dos componentes atuais da impressora foram criados a partir de versões anteriores dela mesma.
“Sou fã da cultura do código aberto”, declara Murilo. “É um modelo colaborativo de compartilhamento, de superação de patentes, que tem impulsionado o desenvolvimento tecnológico como nunca, já que o conhecimento não fica refém daquelas empresas que têm dinheiro e pesquisadores”, avalia. O designer explica porque o maior peso-pesado da impressão 3D industrial está perdendo o mercado de impressoras caseiras nos Estados Unidos. “Eles não conseguiram entender a questão do compartilhamento: o carretel da impressora só aceita o filamento deles, que é muito mais caro. A máquina não permite ajustes e só funciona com o software da própria empresa”.
Não por coincidência, a empresa que passou a dominar o mercado adota princípios do open source. “Mais cedo ou mais tarde, todo mundo está sendo obrigado a enfrentar o fato de que a cultura já não permite mais a dominação de mercados e a exploração de patentes”, alerta o designer.
Aprender fazendo
E que tal operar uma impressora 3D em uma comunidade baseada nos princípios do código aberto? É o que permite o Fablab. A ideia do “laboratório de fabricação” surgiu no início do ano 2000, no Centro de Átomos e Bits do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a partir de uma matéria multidisciplinar chamada “Como Fazer Quase Tudo”. Durante o semestre, cada aluno imaginava um projeto livre e realizava o que tinha em mente aprendendo a operar máquinas de fabricação digital. A iniciativa deu tão certo que ganhou o mundo. O que antes era uma matéria se tornou uma entidade que já empresta o nome a quinhentos laboratórios diferentes em todo o mundo.
Para se abrir um Fablab é preciso respeitar uma cartilha fortemente baseada na filosofia open source. É o que explica André Luiz Leal (acima), um dos sócios da unidade que opera em Brasília. Ao voltar de São Francisco em um intercâmbio do programa Ciência Sem Fronteiras, o designer se juntou a outros quatro sócios que resolveram garantir, eles mesmos, seus empregos e em janeiro abriram uma empresa: o segundo Fablab particular do Brasil. “O objetivo do espaço é a experimentação. A gente aluga os equipamentos, mas, segundo as regras, em um dia na semana a utilização é livre”, relata.
O espaço tem que disponibilizar pelo menos uma impressora 3D. Na bancada de eletrônicos, são utilizados circuitos Arduino, completamente open source e fáceis de aprender. “Isso traz a criação eletrônica mais próxima de designer, hobistas e artistas”, considera André. “Aqui tudo é em software livre e não dependente de uma programação pesada, o que torna muito fácil de se programar”, acrescenta.
Os Fablabs espalhados pelo mundo acabam adquirindo o sabor local das criações de cada comunidade. Em Porto Alegre, por exemplo, existe uma preferência pela criação de mobiliário, uma idiossincrasia dos gaúchos. Já em Brasília, há uma demanda por tábuas de skate, o que gerou até um workshop sobre o tema.
IMPRIMINDO O MUNDO
Conheça alguns dos diversos itens que já estão sendo produzidos por impressoras 3D
Carros: Em 2011 foi lançado o Urbee (foto acima), o primeiro carro impresso em 3D. Na verdade, só a carroceria utiliza, de fato, a tecnologia. Os custos ainda não compensam. http://www.urbee.net
Casas: em 2007, um italiano desenvolveu um método de impressão de residências. Funciona à base de areia e cola de magnésio e é quatro vezes mais rápido que o tradicional. Ele ainda luta para adquirir uma escala industrial.
Comida: um brasileiro e um israelense são pais do projeto Cornucópia. O objetivo é produzir comida com calorias e temperatura precisas. Por enquanto, só se imprimiram bombons. O brasileiro afirma que acredita que ainda vai imprimir uma feijoada.
Vacinas: Craig Venter é considerado o pai do Projeto Genoma, iniciativa que sequenciou o código genético humano. Venter previu a impressão de vacinas, mas o assunto ainda é considerado mera especulação.
Próteses: uma belga recebeu o implante de uma mandíbula de titânio impressa em 3D. A operação foi um sucesso. Estima-se que o procedimento teve um custo equivalente a R$ 150 mil.
Roupas: em 2011, vestidos 3D de duas holandesas foram considerados, pela revista Time, como uma das melhores invenções do ano. As roupas impressas não possuem nenhuma costura. As peças são resistentes, mas também caras. Um par de sapatos é vendido por US$ 900.
Tecidos do corpo: a bioimpressão já é uma realidade. É possível a impressão 3D de veias, cartilagem e pele. Uma universidade norte-americana já imprimiu válvulas cardíacas. A tecnologia também pode representar o fim da utilização de cobaias em pesquisas científicas.
Órgãos: uma empresa norte-americana retirou células da bexiga de sete pacientes, injetou em um molde biodegradável feito por uma impressora 3D e reimplantou. Deu certo. Órgãos mais sofisticados, como rins ou fígado ainda não foram fabricados com sucesso.