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Tecnologia oferece horizontes mais democráticos para a gestão pública

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Leonardo Barçante é analista de Comunicação Social do Serpro, em Belo Horizonte
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Leonardo Barçante é analista de Comunicação Social do Serpro

Com quase onze mil empregados em todas as regiões do Brasil, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) é uma empresa pública que atua na prestação de serviços em Tecnologia da Informação e Comunicações para o setor público. Em 2013, a empresa lançou uma plataforma institucional de consulta pública denominada Palavra Aberta. O ambiente é simples e aberto a todos os empregados. Com apenas um clique, o usuário acessa um dos textos em debate – uma norma ou edital, por exemplo – e tem a possibilidade de participar do processo de construção coletiva do documento.

A ferramenta permite subdividir o texto em unidades para que cada participante possa opinar diretamente em um parágrafo ou bloco específico. Todas as participações ficam visíveis para todos e podem ser votadas ou classificadas segundo um esquema binário de “curti” ou “não curti”.

De 2013 até setembro de 2014, recorte utilizado para a análise refletida neste artigo, o Serpro colocou 11 textos em consulta pública. Ao todo, os documentos receberam 1.645 comentários, conforme o quadro a seguir.

Tabela de consultas públicas

Percepção dos gestores

Para o estudo do fenômeno do Palavra Aberta no Serpro, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas com os gestores responsáveis por cada uma das consultas. Em todos os casos em que a consulta trazia um texto para deliberação e construção coletiva, foram constatadas mudanças efetivas nos textos após o processo. Além disso, 91% dos entrevistados consideraram positivo o resultado das respectivas consultas públicas, com relatos que citavam a participação e a colaboração dos empregados, a importância de se aproveitar a inteligência coletiva, a emergência de novas perspectivas e a legitimação das decisões corporativas a partir de um processo participativo. Por outro lado, 9% avaliaram como negativa a experiência, destacando questões como o excesso de desconexão entre as participações e o assunto em debate e o desconhecimento geral sobre o tema. Apesar dessa avaliação negativa em uma das 11 consultas públicas pesquisadas, os entrevistados foram unânimes em avaliar que a ferramenta possui valor para a empresa e seus empregados e em considerar que a experiência deva ser ampliada dentro da organização.

Participação, Identificação e Barreiras

Para a interpretação das entrevistas semiestruturadas, foi utilizada a análise de conteúdo, ferramenta que permite realizar o agrupamento, em categorias analíticas, ou “rubricas sob as quais virão se organizar os elementos de conteúdo agrupados por parentesco de sentido” (LAVILLE; DIONNE, 1999). A partir dessa opção, três categorias se destacaram: Participação; Identificação; e Barreiras.

A primeira delas – Participação – é a que mais se relaciona com o arcabouço teórico da democracia participativa, já que aglutina questões como a incorporação dos empregados em processos de decisão e favorece mecanismos de consentimento coletivo e legitimação de políticas. Dentro dessa categoria, estão agrupados elementos como colaboração, inclusão, mobilização, conhecimento coletivo, descentralização e a emergência de perspectivas inovadoras. Para os entrevistados, a experiência da consulta pública permitiu ouvir e conhecer a opinião dos empregados, algo que, no geral, trouxe novas ideias para o processo de gestão e contribuiu para uma maior legitimação dos documentos em questão.

Essa referência à legitimação dos processos por meio da participação dos empregados liga-se diretamente aos pressupostos da democracia participativa, que incluem a emergência de novas maneiras de atuação administrativa, o uso de instrumentos que buscam o consentimento coletivo e a definição da participação popular como métrica de eficiência do próprio modelo (SILVA, 2013).

A segunda categoria analítica – Identificação – tem a ver com os fatores de sucesso da consulta pública. De acordo com os gestores entrevistados, a identificação dos empregados com o tema em debate está diretamente relacionada com seu envolvimento e com o próprio resultado da consulta. Menções sobre a importância de uma ampla convocação e divulgação pelos meios de comunicação social da empresa, e da elaboração de campanhas educativas sobre os temas em consulta foram bastante recorrentes entre os entrevistados, que relacionaram essas pré-condições como potencializadoras do resultado das consultas públicas.

A última categoria a emergir foi chamada de Barreiras e refere-se às limitações do Palavra Aberta como ferramenta eletrônica de participação na gestão empresarial. Essa categoria aglutina: relatos que evidenciam conflitos de interesse entre a vontade dos empregados e os limites impostos pela empresa ou pela legislação; a indicação, por parte dos entrevistados, da necessidade de restrição dos temas que podem ser discutidos na plataforma; e a falta de conexão entre as participações dos empregados e o texto específico em consulta.

Mesmo reconhecendo de forma unânime o valor da ferramenta para a empresa e seus empregados, e considerando que a prática de consulta pública deve ser ampliada na organização, os gestores ouvidos ressaltaram também que o modelo não pode ser indiscriminado e deve contemplar apenas alguns temas específicos, depois de avaliação criteriosa da gestão da empresa. Essa restrição seria justificada por variadas razões, tais como: o caráter excessivamente técnico e hermético de certos assuntos; a rigidez administrativa de uma empresa pública, cuja gestão é pautada por um arcabouço de leis e regulamentos; e, por fim, a polêmica que um determinado assunto tem o potencial de despertar nos empregados.

Conquistas e limites do Palavra Aberta

O advento de uma rede digital aberta à participação de todos os empregados, em temas relacionados à gestão da empresa, constitui uma inovação que ilustra a experiência da organização no sentido de acompanhar o movimento histórico de superação do modelo burocrático de gestão. A ferramenta de consulta pública está estruturada com base em uma proposta de participação, deliberação e horizontalidade na relação entre empregados e corpo diretivo.

A majoritária percepção positiva, por parte dos gestores entrevistados, sobre o valor da ferramenta para a empresa e seus empregados, somada à aferição da efetividade das consultas públicas, que produziram transformações nos documentos em 100% dos casos, demonstram o enorme potencial da experiência.

Entretanto, as ressalvas apresentadas pelos gestores evidenciam os limites do Palavra Aberta no sentido de tornar a gestão do Serpro mais democrática, pois demonstram uma desproporcionalidade de poder entre os empregados e o corpo diretivo, este último sendo o grupo capaz de definir a pauta dos debates e, ao mesmo tempo, dono da palavra final no processo dialógico das consultas públicas. Nesse sentido, o Palavra Aberta identifica-se com a chamada “democracia participativa débil”, manifestação mais ligada a práticas consultivas, esvaziadas de poder decisivo, e que opõe-se à “democracia participativa forte”, marcada por práticas mais decisivas (NEZ, 2009).

Por focar-se no olhar dos gestores do Serpro, o presente estudo permite-nos apenas tangenciar os benefícios que a experiência traz aos empregados. Para um entendimento melhor sobre essa parte do fenômeno, seria necessária a elaboração de uma nova pesquisa, contemplando esse público como fonte para a coleta de dados.

Referências

LAVILLE, C.; DIONNE J. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

NEZ, H. Democracia participativa e inclusão sócio-política: as experiências de Bobigny (França) e Barreiro (Belo Horizonte, Brasil). Organ. Soc., Cidade, v. 16, n. 49, p. 325-350, mês 2009. Disponível aqui. Acesso em: 13 nov. 2014. DOI

SILVA, S. de A. M. e. Democracia participativa e processo decisório de políticas públicas: a influência da campanha contra a Alca. Soc. Estado., v. 28, n. 1, p. 53-74, mês 2013. Disponível aqui.  Acesso em: DOI

Leonardo Barçante é analista de Comunicação Social do SerproLeonardo Barçante
Jornalista, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e analista de Comunicação Social do Serpro desde 2005. Especializou-se em Gestão Pública pela Universidade de Brasília, apresentando estudo de caso sobre o Palavra Aberta e sua relação com governo eletrônico, modelos de gestão e democracia participativa.