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Quem precisa de equidade?

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Regina Faria é analista de Comunicação Social do Serpro, em Porto Alegre
Exibir carrossel de imagens Foto: Roselita Campos Regina Faria é analista de Comunicação Social do Serpro

Regina Faria é analista de Comunicação Social do Serpro

O espaço que o Dia da mulher vem ganhando ano a ano aumenta a frequência com que se ouve o seguinte protesto: “por que o Dia do homem não tem o mesmo destaque? Cadê a equidade”?

A resposta começa pelo fim. Equidade e igualdade são coisas diferentes no contexto social. “A equidade é um meio, a igualdade é o fim”, sintetiza um instituto canadense dedicado a estudos igualitários1.

Igualdade é uma situação. Já a equidade é um instrumento que se usa para restabelecer tratamento igualitário quando existe discriminação. A redistribuição dos caixotes na ilustração abaixo poderiam simbolizar políticas que compensam condições estruturais desfavoráveis.

Assim como não teria sentido colocar caixotes abaixo na criança mais alta, também não faz sentido colocar no palanque o gênero masculino, que já possui “caixotes” de vantagem em todas as esferas. Do lado oposto, não se falará mais em Dia da mulher quando a igualdade de gêneros de fato permear as instituições – família, escola, trabalho, produção e representação cultural.

Igualdade X Equidade

É evidente que mulheres, pessoas negras, homossexuais, travestis ou transgêneras são tão capazes quanto homens brancos heterossexuais e cisgêneros2. Por que, então, temos manchete na mídia a cada vez que uma mulher, uma pessoa negra ou declaradamente homossexual ocupa “pela primeira vez” determinado cargo? O ineditismo dessas conquistas apontam uma desigualdade que perpassa todo o tecido social.

Teto de vidro

Em relação às mulheres, a dificuldade de alcançar os cargos mais altos é tão recorrente nas diversas instituições que se cunhou o termo teto de vidro; “uma barreira que, de tão sutil, é transparente, mas suficientemente forte para impossibilitar a ascensão em larga escala aos níveis mais altos da hierarquia organizacional”3.

Nos níveis gerenciais mais baixos, as mulheres4 avançam. Mas a desigualdade persiste no topo, em termos numéricos, apesar de o nível de escolaridade das brasileiras já ter superado o dos homens. É uma realidade observável em várias empresas estrangeiras e brasileiras, inclusive no Serpro5. A remuneração média também é menor entre as mulheres, para os mesmos cargos, além de serem delas a maioria das ocupações menos bem remuneradas.

Onde moram os machismos

No início de 2015, um estudo6 realizado no Rio Grande do Sul causou polêmica por teoricamente “desconstruir o mito” de que mulheres ganham menos que os homens. Dos 20% de diferença de ganho entre os gêneros detectados na pesquisa, apenas 7% foram atribuídos ao machismo.

“Já me perguntaram sobre o carro que dirijo ou de qual tipo de música eu gosto, mas nunca me questionaram como eu equilibro as demandas de ser pai e CEO”

Max Schireson

Os outros 13% seriam explicados por “escolhas” feitas pelas mulheres, como interromper a carreira com mais frequência, jornada de trabalho menor do que a dos homens e concentração em ocupações que remuneram pior.

Entretanto, todas as supostas escolhas femininas convergem para o cumprimento de um papel socialmente reforçado na cultura. Privilegiar a criação dos filhos e tarefas domésticas ainda são consideradas decisões naturais da mulher, em um padrão que se repete mesmo entre pessoas de alto nível de escolaridade.

Pesquisa realizada com recém-formados da Universidade de Harvard, Estados Unidos, aponta que 75% dos homens entrevistados esperavam que suas esposas assumiriam o cuidado com os filhos, enquanto 50% das mulheres assumiam a mesma expectativa.

“Já me perguntaram sobre o carro que dirijo ou de qual tipo de música eu gosto, mas nunca me questionaram como eu equilibro as demandas de ser pai e CEO”, ilustrou o executivo Max Schireson, da MongoDB, quando explicou em seu blog porque deixou o “melhor emprego de sua vida” para dar atenção à educação dos filhos.

A fala e a decisão de Max indicam que assimetrias socialmente construídas começam a ser cada vez mais questionadas. Para acelerar esse processo, são necessárias práticas de equidade, que se estendam desde a educação até às políticas de cargos e salários das instituições (veja quadro). São processos complexos, que não se pode querer ver realizados amanhã – mas em prol dos quais não se pode deixar de trabalhar ainda hoje.

RUMO À IGUALDADE

8 Práticas de equidade de gênero
:

- Crianças podem ter educação que comece a desconstruir estereótipos de gêneros. Para os meninos: incluir brincadeiras que estimulem o cuidado com outras pessoas e simulem afazeres domésticos. Para as meninas: incluir mais desafios intelectuais e mecânicos e não poupá-las de atividades físicas de maior impacto. Resumindo: não dividir brincadeiras entre as “de menino”e “de menina”;

- Mulheres adolescentes podem ter programas de estímulo para enveredar por carreiras das áreas de exatas e de tecnologia;

- Homens devem se responsabilizar por cuidados com os filhos, incluindo as tarefas rotineiras e repetitivas (não só fazer compras, levar e buscar, passeios);

- A extensão na lei da licença-paternidade proporcionaria impulso ao desempenho efetivo desse papel, ao mesmo tempo que amenizaria a discriminação na contratação de mulheres pelo fato de poderem vir a ser mães;

- Pressão para que homens assumam não a “ajuda” em casa, mas a efetiva divisão do trabalho doméstico;

- Nas empresas: monitoração sobre remunerações de acordo com gênero (enfoques de raça e diversidade também são bem-vindos);

- Estabelecimento de metas para a composição realmente diversa nas cúpulas de poder de instituições públicas e privadas; e

- Campanhas de sensibilização e desconstrução dos papéis tradicionais de gêneros, realizadas em instituições públicas e privadas.


NOTAS:

1 CLOW, B., Bernier, J., Haworth-Brockman, M., Pederson, A., & Hanson, Y. (2012). Distinguish between Equity and Equality. SGBA e-learning resource: Rising to the challenge. Disponível em http://sgba-resource.ca/en, acessado em maio de 2015.
2 Cisgênera é a pessoa que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer. Contrário de transgênera. Diferente de travesti, considerada pessoa de outro gênero em algumas linhas de reflexão sobre o tema.
3 STELL, Andrea Valéria. Organizações, gênero e posição hierárquica – compreendendo o teto de vidro. Revista de Administração, São Paulo, V32, p62-69, jullho/setembro 1997.
4 Importante anotar que essa situação relativamente mais cômoda é válida para mulheres brancas e cisgêneras que: ou são heterossexuais, ou tem “passabilidade” hétero – são “lidas” pela sociedade como heterossexuais. A questão da equidade de raça e da diversidade envolve complexidades que demandam artigos específicos.
5 FARIA, Regina. Como mulheres e homens progridem na carreira? Uma análise da dinâmica de ascensão profissional e remuneração no Serpro. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado na Universidade de Brasília. 2015.
6 STEIN Guilherme e SULZBACH Vanessa. Relatório sobre o mercado de trabalho do Rio Grande do Sul — 2001-13. Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Abril/2015.

 

Regina Faria é analista de Comunicação Social do SerproRegina Faria
Jornalista, graduada pela Universidade de São Paulo e analista de Comunicação Social do Serpro desde 2010. Especializou-se em Gestão Pública pela Universidade de Brasília, apresentando estudo de caso sobre dinâmicas de ascensão profissional e remuneração de mulheres e homens no Serviço Federal de Processamento de Dados.