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Gestão Documental e Arquivos

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Fernando Travassos é analista do Serpro, em Brasília
Fernando Travassos, analista do Serpro

Fernando Travassos, analista do Serpro

Pode-se dizer que o assunto gestão documental ganhou formalidade no Brasil durante o Segundo Reinado, com a criação em 1838 do Arquivo Público do Império, hoje, Arquivo Nacional. Esta entidade tem por missão implementar e acompanhar a política nacional de arquivos. É disso que se trata o presente artigo: gestão documental e arquivos.

A Constituição brasileira de 1988 trouxe em seus direitos fundamentais, o tema acesso a informações, pelos cidadãos. Mas apenas em 1991 os preceitos constitucionais mencionados se tornaram passíveis de cumprimento pelos órgão públicos, por ocasião da criação do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq). A Lei 8.148, de 8 de janeiro de 1991 (conhecida como Lei de Arquivos), além de criar o Conarq estabeleceu a obrigatoriedade de os órgãos públicos cuidarem de seus ativos de informação. Cita a Lei: "É dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação".

Mais recentemente, seguindo uma tendência observada em todo o mundo, a sociedade brasileira passou a cobrar mais transparência nos atos e nos documentos públicos. Como resposta a esta necessidade, foi criada a Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011, a Lei de Acesso à Informação. A Lei estabelece como regra o acesso livre aos documentos públicos por qualquer cidadão. Claro, a Lei estabelece regras para que se restrinja o acesso indiscriminado a documentos de natureza pessoal e a outros, “imprescindíveis à segurança da sociedade”. São exemplos disso os documentos que possam pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população ou que ofereçam riscos à soberania nacional, para citar alguns casos em que se aplica a restrição ao acesso irrestrito.

Junte-se ao acesso e à transparência exigidos com relação aos atos públicos, a explosão informacional, decorrente dos avanços da tecnologia. Já há vários anos, qualquer de nós é capaz de produzir informação, fato que nos torna produtores de informação, ou mesmo, de documentos. Subjacente à produção exponencial de conteúdos, tem-se o problema da sua recuperação. Afinal, documentos1 são guardados com o objetivo de serem encontrados. Em meio aos bilhões de páginas de documentos em papel, tem-se hoje quantidade semelhante de páginas na internet e outro sem-número de documentos nato-digitais.

Esses fatos – acesso facilitado e enorme massa documental – exigem das empresas o emprego de infraestrutura capaz de lidar com muitos documentos, satisfazendo o acesso à informação desejada. E este é o desafio que se apresenta: gerenciar documentos (ou conteúdos, como o pessoal da ciência da computação costuma chamar).

A vocação do Serpro está no desenvolvimento e na produção de sistemas de informação. Diferentemente dos demais sistemas, são desenvolvidos na empresa, soluções de coleta e tratamento de dados, que geram e disseminam as informações. E, em sua gestão interna, o Serpro possui dezenas de sistemas que produzem informações. Novamente, o desafio se dá na recuperação daquilo que é produzido por todos estes sistemas – os externos, que são aqueles que são desenvolvidos para nossos clientes – e, também, os nossos sistemas internos. E é aí que a gestão documental pode ajudar: no gerenciamento de informações e, também, no arquivamento seguro de documentos.

O mapeamento dos processos e a recuperação da informação

Como organização, o Serpro dispõe de uma grande vantagem potencial no que diz respeito à facilidade de recuperação, que decorre do fato de seus processos estarem mapeados. Enquanto as máquinas de buscas genéricas disponíveis na internet valem-se de complexos algoritmos de busca (recorrendo, até mesmo, a dispositivos de hardware), empresas que têm processos estruturados podem recuperar mais facilmente informação, desde que façam uso de metadados que classifiquem e categorizem a informação.

Metadados são recursos que são empregados por diferentes profissionais. Os desenvolvedores, por exemplo, fazem uso de metadados com a finalidade de correlacionar dados e tabelas onde são guardados, por exemplo. Ou para georreferenciar informações, que é a atividade de associar informações às suas coordenadas geodésicas. Já os bibliotecários empregam metadados para representar as informações de um livro (autor, editor e palavras-chave são exemplos de metadados bibliográficos); os arquivistas, para classificar documentos arquivísticos.

Uma extensão natural do uso dos metadados está na ajuda para o estabelecimento de “filtros” para o refino de uma pesquisa. Os processos e subprocessos são um filtro mais do que adequado para esta finalidade. Imagine a busca de um manual de instalação de uma rede em um cliente do Serpro. Procurar-se pela expressão “rede” no contexto "suporte" restringiria de modo natural os documentos encontrados. Livros que tenham em seu título esta expressão, normas que tratem de redes ou pessoas com conhecimento na área de redes estariam excluídas dos resultados, reduzindo em favor do usuário os documentos achados.

Outra vantagem da gestão documental está na preservação. A correta classificação e o consequente estabelecimento de uma temporalidade para a guarda de documentos permite que sejam aplicados métodos de preservação que garantam, no futuro, o acesso ao documento. Assim, documentos cuja guarda seja de natureza permanente, requererão que sejam migrados de uma eventual estrutura de banco de dados para estruturas mais estáveis ou supostamente perenes. A International Organization for Standardization (ISO) estabeleceu como formato de preservação de longo prazo o formato .pdf (portable document format). Assim, a recomendação é a de que os documentos de preservação de longo prazo estejam neste formato de modo que, ainda que este formato se torne obsoleto no futuro, a comunidade internacional forneça alternativas tecnológicas que possibilitarão migrar o formato .pdf para outro que vier a se tornar dominante, no futuro.

Nestes últimos dois anos, o governo brasileiro acelerou sua preocupação com a gestão documental. Uma destas demonstrações está materializada na Portaria Interministerial nº 2321, de 30 de dezembro de 2014, que estabelece a obrigatoriedade do emprego de um número único de protocolo, o NUP, como forma de que os diferentes sistemas que tratam documentos dos órgãos da administração pública interoperem. O que não se percebe tão claramente são as consequências de uma ação desta natureza. Para o cidadão, a partir da implantação do NUP e do barramento de documentos que está em construção pelo Ministério do Planejamento (o PEN), todo o relacionamento de um cidadão com o governo federal poderá ser pesquisado por meio de um portal onde as diferentes solicitações ao governo poderão ser buscadas de modo facilitado. O que está por trás disso é o emprego de um número de protocolo cuja formação obedecerá um critério único, não importa em que órgão a solicitação do cidadão se inicie.

Outra medida adotada recentemente pelo governo é o estabelecimento de diretrizes para o emprego, pelo governo federal, de um “repositório digital confiável”, com o objetivo de armazenar e gerenciar documentos arquivísticos de acordo com as normas e com as práticas da Arquivologia. O emprego de uma infraestrutura desta natureza visa a preservação de longo prazo de documentos que devem ser preservados por longos períodos de tempo, considerando, inclusive, uma eventual obsolescência tecnológica que pode comprometer o acesso aos documentos digitais, no futuro. Essas recomendações constam de resolução emitida pela Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do Conselho Nacional de Arquivos e representa uma oportunidade de negócios para o Serpro, haja vista o Serpro dispor dos requisitos de hardware que são necessários, muito embora apenas eles não sejam suficientes para o fornecimento desse serviço.

A própria Secretaria de Tecnologia de Informação do Ministério do Planejamento criou, com o apoio do Serpro há vários anos, a arquitetura e-Ping, que inclui o “Padrão de Metadados do Governo Eletrônico”. O e-PMG, como é chamado, consiste em um conjunto de metadados que "(...) têm o propósito de facilitar a localização dos recursos que as pessoas necessitam, mesmo que elas não possuam conhecimento detalhado da localização ou da entidade responsável pela informação", (STI, 2014). Mas falta o costume, entre os desenvolvedores de páginas web, e de quem cria documentos digitais, no emprego desse simples, mas eficiente recurso para a recuperação de contexto.

Como se pode ver, os recursos tecnológicos existem, mas há um caminho que deverá ser percorrido pelo Serpro no sentido de se adequar a esses movimentos. E começa pela disseminação da cultura de gestão documental entre o pessoal que produz documentos e informações, tanto internamente, quanto para os clientes. A Universidade do Serpro, a quem cabe a política de gestão documental da empresa, concluirá a Trilha de Aprendizagem neste assunto, que se compõe por 20 ações educacionais voltadas principalmente para os desenvolvedores.

Nota:
1 O termo "documento" está sendo empregado no sentido arquivístico, que engloba manifestações tais como arquivos de áudio e vídeo, fotografias, troféus, medalhas e até mesmo bancos de dados.

Fernando Travassos, analista do SerproFernando Travassos
É chefe do Departamento de Informação e Conhecimento da Universidade do Serpro e é mestre em Ciência da Informação, pela Universidade de Brasília (UnB).