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Portal fiscalizará R$ 35 bi em convênios

Transferências da União a municípios poderão ser controladas pela internet

Os prefeitos eleitos em 2008 assumirão o mandato com uma novidade que vai mudar a maneira de receber e gastar os recursos dos convênios assinados com o Palácio do Planalto e ministérios - que neste ano somaram uma bolada de R$ 35 bilhões, dinheiro reservado no Orçamento Geral da União para as chamadas transferências voluntárias de recursos federais. O Planalto aproveitou o período eleitoral, quando as transferências são proibidas por lei, e pôs na internet o Portal dos Convênios, um sistema que permite o acompanhamento da trajetória do dinheiro.

Além dos municípios, os repasses também são feitos - sempre por convênio - para Estados e organizações não-governamentais (ONGs). A primeira e mais radical das mudanças vai incomodar os prefeitos que costumam sacar os recursos na boca do caixa. Pelas novas regras, em uma obra feita com verba federal, a prefeitura não terá mais acesso direto ao dinheiro. Cada convênio passará a ter uma conta específica em um banco oficial (Banco do Brasil, por exemplo) e os pagamentos serão feitos pelos ministérios diretamente aos fornecedores.

As empresas que receberem os pagamentos via convênios farão parte de um grande cadastro federal e terão seus dados cruzados com outras bases de dados, como da Receita Federal e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O portal, que funciona da mesma maneira que o sistema informatizado de controle dos empenhos e saques da União, o Siafi, põe fim à política do "jeitinho", que permite o estabelecimento de convênios com prefeituras em situação irregular. Permitirá identificar mais facilmente empresas fantasmas, criadas apenas para receber dinheiro desviado das prefeituras.

Tecnicamente, o novo Sistema de Convênios (Siconv) está no ar e atingirá os acordos firmados desde 1º de setembro, já com controle muito mais rigoroso e informatizado, em que as etapas de execução dos convênios são detalhadas com prestação de contas em tempo real.

As cifras envolvidas e a transparência exigida pela sociedade depois de sucessivos escândalos e comissões parlamentares de inquérito (CPIs) no Congresso explicam a criação do novo sistema.

O volume de transferências da União equivale ao total de gastos com todas as compras do governo (R$ 34,5 bilhões em 2007), da merenda escolar às usinas termelétricas, passando pelos remédios, equipamentos médicos e hospitalares que alimentam o sistema público de saúde do País.

"Vai ser uma revolução na política brasileira", avaliou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. "Até hoje, não tínhamos um sistema que permitisse boa visibilidade do uso das verbas dos convênios, boa parte deles fruto de emendas de parlamentares ao Orçamento."

Acesso

Qualquer cidadão poderá acessar o portal e verificar a execução de obras, a contratação de serviços e a prestação de contas. Quem identificar irregularidades terá espaço para denunciá-las, também on line.

Esquemas para fraudar licitações, como o da máfia das ambulâncias, desbaratado em 2006 pela Polícia Federal, serão mais facilmente detectados. A liberação de verbas ficará condicionada a uma prestação de contas em que não bastará juntar notas fiscais. Terá de provar que o programa é executado - podendo, por exemplo, colocar no portal fotos que mostrem as obras.

Além das resistências, há dificuldades para adotar o portal em pequenos municípios. O Ministério da Integração Nacional quer que a adoção do sistema seja adiada para 2009, a fim de evitar uma pane nas transferências neste fim de ano.

Sistema vai ''desalojar'' lobistas

A contratação de lobistas que vivem de intermediar contatos entre prefeituras e ministérios pode cair em desuso. O Portal dos Convênios, que registra todos os programas dos ministérios para levar obras e serviços aos municípios, faz concorrência direta e gratuita com o lobby tradicional.

Boa parte dos prefeitos, especialmente os de municípios menores, fica sabendo da existência de verbas federais por lobistas, que lhes servem de guia na Esplanada dos Ministérios. Há também lobby instalado em escritórios bem montados nos arredores da Praça dos Três Poderes, que atuam como despachantes de luxo, acompanhando projetos de interesse de prefeituras mais ricas.

Com o novo Sistema de Convênios (Siconv), no entanto, todas essas informações serão prestadas on line. No portal, o Ministério do Trabalho, por exemplo, vai tornar público que dispõe de verba para programas de qualificação profissional. Os prefeitos que se interessarem poderão se candidatar, apresentando os seus projetos também on line. E bastará acionar o portal para saber todas as certidões negativas de débito e outros documentos exigidos para ter acesso ao dinheiro.

Para complicar ainda mais a vida dos lobistas, o governo acredita que o número de convênios celebrados com ONGs e prefeituras deve diminuir. Afinal, pelas novas regras do sistema, a transparência das operações em tempo real na internet não permite o chamado "jeitinho brasileiro", em que convênios são celebrados só para produzir um efeito político.

Não são raros os casos em que a autoridade sabe que as obras previstas no papel jamais serão executadas, porque o Orçamento para as transferências voluntárias já havia estourado quando da assinatura do documento.

Agora, porém, a política terá de obedecer à matemática financeira. O novo sistema não permite ao ministro assumir compromissos acima do limite de seu orçamento.

Emendas de deputados vão passar por pente-fino

Envio de R$ 1 mi para festa de Quipapá, como ocorreu este ano, exigiria explicação de cada centavo gasto

Conhecido em Pernambuco como "Negão Abençoado", o deputado Marcos Antonio Ramos da Hora (PRB), um cantor e compositor gospel que estreou na política em 2007 e já trocou de partido três vezes, é autor de um feito político de causar inveja na bancada pernambucana. Conseguiu aprovar uma emenda individual ao Orçamento da União destinando R$ 1 milhão do Ministério do Turismo ao Festival de Música de Quipapá, realizado em maio na pequena cidade de 25 mil habitantes, a 180 quilômetros do Recife.

Para se ter uma idéia da façanha, o vice-líder do governo e recém-eleito prefeito de Olinda, Renildo Calheiros (PC do B-PE), só conseguiu liberar R$ 200 mil para o tradicional carnaval da cidade. Para o Festival de Inverno de Garanhuns, outro evento conhecido de Pernambuco, foram R$ 350 mil.

"Abençoado" pode até repetir a proeza em 2009. A diferença é que, da próxima vez, o gasto de cada centavo terá de ser descrito e comprovado em tempo real no Portal dos Convênios.

O ministério do Turismo confirma o pagamento da emenda em meio a R$ 102,7 milhões empenhados para o Estado até 4 de julho. "As análises feitas não encontraram pendências que inviabilizassem o repasse", justifica o ministério. A prestação de contas, com prazo de entrega até o dia 21, já foi recebida, mas está em fase de análise.

Não é por acaso que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, teve de negociar a adoção do Sistema de Convênios (Siconv) com o Tribunal de Contas da União (TCU). Quando assumiu o ministério, ele deparou com uma montanha de papel gerada por nada menos que 95 mil convênios antigos, a maioria deles assinada por ministros e dirigentes de órgãos já extintos, muitos do tempo do governo Fernando Collor e em moeda fora de circulação, como o cruzado e o cruzeiro novo.

"É impossível fiscalizar, dar parecer e aprovar contas nestas condições, porque de alguns processos restou apenas a capa, se é que um dia houve uma prestação de contas lá dentro", pondera o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do ministério, Rogério Santanna, recordando os argumentos que convenceram o TCU de que não havia alternativa ao arquivamento da papelada, correspondente a 80 mil convênios.

"Foi preciso deixar claro ao tribunal que a mudança é radical e definitiva", destaca o ministro, frisando que vai zerar neste ano todo o "passivo" de convênios sem um único exame, que lotam as salas do Departamento de Liquidação do ministério.

Controladoria

Encarregada de fiscalizar os convênios, a Controladoria-Geral da União (CGU) tem de apelar para o sorteio. São cinco sorteios anuais - de 60 municípios em média -, totalizando 300 municípios fiscalizados por ano, no universo bem maior de 5.562.

As fraudes mais comuns são problemas em licitação, seja por falta de divulgação, por envolver empresas fantasmas ou diferentes empresas que têm os mesmos sócios. A Prefeitura de Santa Bárbara (BA), por exemplo, foi flagrada porque forjou uma página de jornal para provar que havia publicado edital de licitação.

Para o ministro Jorge Hage, que comanda a CGU, a grande vantagem do sistema é permitir o cruzamento de informações de diferentes bancos de dados. "A fiscalização in loco será feita em muito menor tempo, o que é de enorme importância para quem tem de fiscalizar a aplicação do dinheiro federal em um país continental como o Brasil", opina.

ONGs resistem a novas regras, afirma ministro

Os prefeitos mal tomaram conhecimento do Portal dos Convênios, ocupados que estavam com a eleição, mas as organizações não-governamentais já estão protestando. O novo sistema também vai apertar os controles sobre as ONGs que recebem verbas federais e governo reservou R$ 3,5 bilhões para elas neste ano.

A gritaria contra o Siconv foi tanta que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já fez duas dezenas de reuniões com representantes dessas entidades nos últimos dois meses. "Ao menos por enquanto, as ONGs é que estão dando mais trabalho", confessa o ministro.

A despeito das resistências, o Planejamento não abre mão de incluí-las nas regras do portal, ainda que tenha de flexibilizar algumas exigências em casos específicos. A disposição do governo tem motivação concreta.

É o novo Sistema de Convênios que lhe permitirá saber quantas ONGs atuam na Amazônia, onde estão e quem as financia. "Hoje o governo não sabe, mas em breve todas essas informações serão tornadas públicas. Esta é a idéia do portal", esclarece Bernardo.

Adequações

Disposto a mediar todos os questionamentos para que o Siconv "vingue", o ministro conta que já fez algumas adequações.

Na reunião que teve com a presidente da Pastoral do Idoso, Zilda Arns, aceitou o argumento de que a proibição dos saques em dinheiro não pode valer para todos.

Zilda, também fundadora da Pastoral da Criança, diz que, para quem atua na Amazônia, a 300 quilômetros de barco da cidade mais próxima, um cheque pode ser um problema, não a solução.

O Estado de S. Paulo, Christiane Samarco e Lu Aiko Otta, 20 de outubro de 2008