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E aí, tem jogo?
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Comecemos pelas regras. Jogo, para ser jogo, precisa preencher algumas condições: ser atividade voluntária; exercida em tempo e espaço determinados; segundo regras livremente consentidas, porém obrigatórias; possuindo fim em si mesmo; proporcionando tensão e alguma forma de divertimento; e configurando-se como um escape da vida cotidiana – mesmo que a ela faça referência.
Sim, é claro que alguém pode ser levado a participar de um jogo contra a vontade. E a gamificação está aí para provar que a atividade pode estar a serviço até mesmo de processos empresariais. Mas não se pode negar que a definição acima, cunhada por Johan Huizinga, captou os elementos essenciais da ocupação que até hoje é pretexto para que as pessoas convivam mais.
"A existência do jogo é inegável. É possível negar, se se quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza, o bem, Deus. É possível negar-se a seriedade, mas não o jogo."
J. Huizinga
Em Homo ludens: o jogo como elemento da cultura, o autor faz uma defesa da atividade ancestral de se reunir
amistosamente para “brincar de ver quem ganha”. E esses mesmos sentimentos transbordam das falas de nossos
entrevistados no Serpro, todos habituais jogadores com alguma reflexão sobre o assunto.
Mais estratégia, menos sorteio
Quem cresceu jogando War e Banco Imobiliário encontra uma proposta diferente nos jogos de tabuleiro atuais.
Eles privilegiam a estratégia, diminuindo o peso do fator sorte; destacam os designers games, mais que a empresa
que fabrica o jogo, e tem uma mecânica que permite que todos os jogadores participem da atividade até o final,
em vez de eliminar quem perde no decorrer das partidas. Dessa forma, adultos encontram neles uma boa
oportunidade de socializar de maneira leve, com um fio condutor natural das atividades.
Os entrevistados relatam que, um pouco pelo alto custo com que os jogos chegavam, um pouco pela pura curtição
de se reunir, formaram-se grandes comunidades de jogadores nas principais cidades brasileiras, que às vezes se reúnem em eventos com mais de cem participantes. Cada um leva as caixas que tem, e vários grupos de quatro a seis pessoas jogam simultaneamente. Colegas do Serpro relataram que frequentam esses eventos. No outro extremo, reportamos também o caso de um serpriano em Porto Alegre que cultiva a introspecção necessária para criar seus próprios jogos.
Para socializar - Belo Horizonte
"Regras elegantes, design elaborado e a própria atitude dos jogadores são as principais diferenças desses novos design games para os antigos jogos de tabuleiro dos nossos pais", define Rodrigo Urquiza (em primeiro plano), analista da UniSerpro.
Rodrigo diz que as partidas são rápidas e diretas, duram cerca de meia hora e, quase sempre, têm um final bem definido, com a vitória de um jogador ou grupo de jogadores. "São jogos pensados para a socialização, tendo em vista o rodízio entre os convidados de uma festa ou encontro social", afirma. Os títulos possuem mecânicas variadas e podem incluir tanto a cooperação quanto a traição como estratégias de vitória. O colega ressalta que está ocorrendo uma explosão do gênero, com jogos financiados pela própria comunidade de jogadores. "Apesar de todas as opções disponíveis em entretenimento digital, esta é uma era de ouro para os jogos de tabuleiro", analisa o colega, que montou um "jogo rápido" na mesa da UniSerpro apenas para ilustrar esta reportagem.
"Come e Joga" - Brasília
Um grupo de mais de 100 pessoas se reúne em um salão de festas e, aos poucos, vai se subdividindo emvários grupos de 4 a 6 pessoas. A comida fica à disposição, cada núcleo se envolve em um jogo, e facilmente se vira uma noite no “Come e Joga”, evento organizado pelo grupo Heavy Games Brasília, HGB. Quem conta, na condição de participante, é Denis Marcio Menezes de Oliveira, (mais à esq) com colegas da Sunfj. Foi por volta de 2012 que o colega conheceu o Catan, um dos clássicos dos jogos modernos. Ele e a esposa começaram a jogar toda semana com outro casal de amigos, e do Catan, migraram para outros jogos. O passatempo virou um hobby que hoje está incorporado à convivência com amigos do Serpro, familiares e com outros aficionados por tabuleiros. Para Denis, é natural que pessoas que passam muito tempo trabalhando com computadores usufruam de jogos que privilegiam interação presencial. “É uma pausa em que a gente se permite voltar para o mundo analógico”, brinca.
Na hora do almoço - Fortaleza
Citadels, 7 Wonders, Dominion, Bang!, A Guerra dos Tronos: talvez esses jogos não sejam familiares para você. Mas para Marcelo da Rocha, Fagner de Oliveira, e outros sete colegas da Supde em Fortaleza, eles são grandes companheiros. “Há um ano, apresentei o primeiro para o pessoal, e passamos a jogar aqui de segunda a sexta, no horário de almoço”, diz Marcelo, conhecido como Gibi (último à dir). “Nos reunimos em nossas casas também. E o especial dos encontros são as pessoas mesmo”, diz Fagner (primeiro à esq). Eles contam que tem opções para todos os gostos e bolsos, desde jogos que custam R$ 15 até os de R$ 150, ou mais. E reforçam que tabuleiros e cartas são coisa de quem gosta de se divertir e criar. “Já adaptamos regras dos jogos. Já pegamos conjunto de cartas criado por fã, e traduzimos, editamos e imprimimos”, cita Fagner. “Os jogos são abertos para vários perfis. Joga-se sozinho, em família ou com amigos. Se outros colegas da regional quiserem participar, a gente traz mais jogos”, convida.
Um jogo para chamar de seu - Porto Alegre
“Criar um jogo é parecido com escrever um livro. De vez em quando flui, mas às vezes você tem de parar para obter inspiração. Sempre é necessário substituir uma ideia, ou adaptá-la. Outras pessoas podem dar feedbacks, mas um dia você tem de definir um ponto de corte e dizer: 'está pronto' caso contrário não acaba nunca”, define Gerson Tessler (ao lado), da Supde, que cria jogos há cerca de dez anos. Para ele, tanto a criação quanto o ato de jogar são instigantes principalmente pelo desafio intelectual e pela possibilidade de ampliar a convivência. Entusiasta de jogos desde os nove anos, Tessler já nem sabe dizer o que o encantou nas primeiras experiências. Das lembranças mais interessantes sobre a criação, figura a vez em que um amigo dedicou um fim de semana todo a um jogo criado por Tessler até que achou uma “estratégia dominante”, um jeito de ganhar sempre. “Se a estratégia dominante tem apenas um modo, então o jogo precisa ser alterado, porque passa a ser um simples quebra-cabeças”, acrescenta.
A cada jogo, uma estratégia - Rio de Janeiro
Roger Paixão (à dir), analista da Supde, é outro que destaca que o diferencial dos jogos modernos é a interação que eles proporcionam. “Não há como usar sempre a mesma estratégia e ter sempre o mesmo vitorioso. Cada jogo acontece de uma maneira”, assegura. Roger já criava seus próprios jogos antes de serem lançados no Brasil. Hoje, o analista da Supde coleciona mais de 100 jogos e transformou sua casa em um ponto de encontro para os aficionados.“Toda quarta-feira à noite reúno os amigos para jogar. E a cada quinze dias organizamos um 'viradão' no final de semana”, relata Roger. Há uma grande variedade de jogos e perfis de jogadores. Hervan Batista, (à esq), também analista da Supde, trocou aos poucos o videogame pelo tabuleiro em razão da mecânica mais inovadora e se tornou fã do gênero desde 2010. “Há mais liberdade nos acontecimentos e a criatividade fica mais em evidência, o que torna o jogo mais interessante”, afirma o também analista da Supde.
“Jogaaê" - Salvador
Heron da Cruz, (à esq, de óculos), sempre se interessou por games de forma geral. Mas foi na época de faculdade que o analista da Supde se encantou pelos jogos de tabuleiro modernos. Começou com o Colonizadores de Catan e participou de uma comunidade em Salvador que se reunia para jogar. Lá conheceu outros jogos e o que até era apenas uma diversão, virou um hobby. Com outros amigos que conheceu nesse antigo grupo, já extinto, Heron criou a “Jogaaê“, uma comunidade que se reúne todo último sábado de cada mês para jogar e conhecer novos jogos. Segundo ele existem diferenças entre os jogos americanos e alemães. “Enquanto os jogos americanos tendem a adotar o conceito de conflito direto, por exemplo, abordando guerras, os jogos europeus, principalmente alemães, falam muito sobre o desenvolvimento de cidades, fábricas, comércio, Idade Média”, explica.
É impossível escolher um só - São Paulo
Fábio Ribeiro (à esq) possui mais de 50 jogos, e Tomaz Alvarez, (à dir), em torno de 15. Os dois colegas jogam partidas com frequência semanal.Quando questionados sobre qual seria o preferido eles fizeram um momento de silêncio seguido por boas risadas. Ficou claro o quanto seria difícil selecionar um só. Diversos nomes surgiram na tentativa de eleger o tal preferido: Legendary, Sentinels of the Multiverse, Dixit e outros tantos. Muitos nomes depois, eis que surge um jogo em comum: Star Trek Fleet Captains. Para Fábio, o mais bacana é o tema e mecânica do jogo, e a ideia de explorar o espaço. Já Tomaz gosta da sensação de estar na série e dos acontecimentos inusitados que o jogo proporciona, como naves invisíveis voando no tabuleiro. “A vantagem do tabuleiro em relação a um jogo de computador é a interação social, você acaba se encontrando com seus amigos pessoalmente”, diz Tomaz.